Para responder a essa pergunta, você deve determinar ao menos 4 fatores (listados aqui em ordem decrescente de importância, na minha opinião):
- Trata-se de um projeto interno [de sua empresa, por exemplo], ou algo a ser exposto ao público em geral? (nem que seja apenas a API)
- Quem vai trabalhar nesse projeto (funcionários? voluntários de qualquer parte do globo?) e qual o seu domínio do inglês?
- Qual o domínio de aplicação do seu projeto? (i.e. que problema ele resolve) Esse domínio é algo altamente localizado (ex.: algo que precisa ter conformidade com as leis ou regulamentos locais), ou possui caráter global?
- A linguagem de programação / framework / biblioteca é excessivamente verbosa, ou possui convenções em que se repetem muitos nomes em inglês?
Visibilidade
Pouquíssimos projetos são destinados a um público global, ou ao menos são bem-sucedidos em atingir esse objetivo. A grande maioria dos projetos são para resolver problemas internos, e o software resultante nunca sai da empresa. Do restante, outros tantos são de código fechado, de modo que ainda que o software seja difundido seu código-fonte não o é. E finalmente, existem projetos que - mesmo open source - raramente recebem contribuições que não de seu autor/equipe.
Se seu projeto se enquadrar numa das condições acima, e se houver vantagem em se desenvolver em português (mais sobre isso adiante), então é contra-produtivo se adotar o inglês somente pela remota possibilidade de alguém que não domina o português precisar mexer nele no futuro. Principalmente se, por estar numa língua estrangeira, ele acabe recebendo uma documentação de pior qualidade - algo que trará mais ônus à compreensão do que os simples nomes no código-fonte. Já que, estritamente falando, são variáveis matemáticas, poderiam ser substituídas por x
, y
e z
e a lógica do algoritmo permaneceria inalterada (não estou dizendo que isso seria uma boa ideia...).
Contribuidores/Funcionários
Aqueles dentre nós que dominam o inglês temos uma facilidade de "reconhecer" certos nomes que os não falantes dessa língua não têm. Se vemos em um código handler, listener, callback, etc, já sabemos de cara o propósito por trás dessas variáveis (manipular um evento, ouvir [ser notificado de] uma mudança de estado, receber de volta uma chamada [da função sendo invocada], etc), ainda que não saibamos ainda dos detalhes. A simples escolha do nome já nos remete muito, facilitando enormemente a compreensão. E se queremos um método para ler um arquivo, por exemplo, já procuramos no índice pela letra "R" (read).
É difícil para nós imaginar como os não falantes se sentem, mas quem já trabalhou com [ou deu aulas para] pessoas sem o domínio do inglês sabe o quanto a barreira da língua é elevada, e como isso acarreta em mais esforço para se ter um desempenho semelhante. Isso significa que, se quem vai mexer no seu código não possui essa "habilidade ideal", sua equipe vai ser menos produtiva. Você (se empregador) vai ter que pagar mais e receber menos [pelo número extra de desenvolvedores, ainda que cada um deles ganhe menos por não dominar o inglês]. Ainda que você coloque como requisito para contratação a fluência em inglês, o número de candidatos em potencial será menor, tornando mais difícil preencher uma vaga.
Isso pode ser mitigado pelo uso constante e eficiente do português na sua base de código. As palavras-chave da linguagem não tem como mudar, mas pelo menos os métodos e classes comuns (todo projeto tem uma biblioteca "util", não?) podem receber nomes simples e consistentes, que remetam aos conceitos que seus desenvolvedores já conheçam - ou metáforas que auxiliem a compreensão (como existe por exemplo o throw
e catch
, ainda que o gerenciamento de exceções não tenha nada a ver com bolas de basebol...).
A estratégia oposta, traduzir para o inglês termos já bem conhecidos e consolidados (não se esqueçam que a especificação de requisitos provavelmente estará em português, já que ela é a "ponte" entre os clientes e a equipe de desenvolvimento), podem elevar ainda mais a dificuldade do desenvolvimento, principalmente em equipe (eu "decorei" o termo "Foo" que é usado no meu código, mas meu colega escreveu um trecho usando "Bar" que faz interface com o meu. O que será "Bar"?). Ou seja, se você optar por desenvolver em inglês, esteja preparado para montar uma equipe onde todos tenham fluência tanto no inglês quanto no português [se aplicável].
Domínio
Essa seção é auto-explicativa. Se eu tenho de gerar os relatórios DARF e DEGREF, com todos os seus campos já expressos em português, não faria o menor sentido usar variáveis em inglês. E seu quero manipular o DOM via uma biblioteca XPath, não vai ajudar nada traduzir os conceitos para português...
(Nota: ambas as coisas podem ocorrer no mesmo código - se meu DEGREF está representado em XML, primeiro eu crio uma variável node_list
para localizar meus elementos, depois os converto em uma lista_despesas
; a menos que se esteja explicitamente priorizando o português - pelas razões citadas na seção acima - caso em que talvez se justifique usar lista_nós
)
Convenções
Essa parte é controversa, já que muitas linguagens utilizam o princípio "Convenção sobre configuração" (Convention over configuration - CoC), às vezes chegando a impor certas convenções como quasi-mandatórias ou de facto mandatórias (ex.: você pode criar um Java Bean usando obterFoo
e atribuirFoo
, mas muitas ferramentas automatizadas de reflexão não serão capazes de reconhecer Foo
como uma propriedade). Outras não têm esse tipo de retrição, desacoplando os nomes de sua semântica (ex.: em C# você cria blocos get
e set
para uma propriedade, mas o código consumidor da classe usa seu nome simples, sem mistura).
Se sua ferramenta (linguagem, biblioteca) é pesada em CoC, de fato misturar inglês com português fica estranho, e deve ser evitado para todo conceito comum. Conceitos pertecentes ao domínio, por outro lado, podem justificar a "esquisitisse" - uma vez que a associação "esse campo da tela está representado por essa variável" fica mais fácil quando se utiliza uma nomenclatura apropriada.
Há ainda o caso de abreviações, como por exemplo IFoo
(interface "Foo"), que pessoalmente considero uma concessão razoável quando o acoplamento nome-funcionalidade é inevitável (reconheço que em certos casos promove melhoria da compreensão). Nesse caso, a abreviação acaba se tornando o elemento que remete ao conceito, de modo que ao ver o "I" você já pensa "IFoo não tem métodos concretos" - em vez de haver uma associação indireta, como "IFoo é uma interface, e interfaces não têm métodos concretos".
Por conta desse "atalho de compreensão", não vejo problema algum em usar nomes em português com abreviaturas em inglês (ex.: FuncionarioLV extends ListView
), uma vez que o "LV" no nome funciona quase como um sigil, com as mesmas vantagens [e problemas] que isso acarreta.
Conclusão
Não há problemas em se escrever programas em português, desde que isso seja bem-feito. Particularidades do projeto podem exigir um ou outro idioma, e isso não ocorrerá sem custos. O que se deve evitar é o pensamento reducionista de que "tem que ser em inglês porque quem 'domina' usa inglês", pois se fosse assim todos nós estaríamos falando Latim...
Funcionário
,Empresa
, eu utilizoEmployee
,Company
,... o que é bem fácil e óbvio. Mas às vezes torna-se um pouco difícil encontrar alguns termos como CNPJ. Neste caso eu uso algo genérico comocompanyIdentificationNumber
, e na declaração da variável ou no script SQL (se for um campo do banco de dados) eu coloco algum comentário do tipo:// company identification number used for tax paying purposes // CNPJ (Brazil), CUIT (Argentina), EIN (Employer Identification Number in USA), ... String companyIdentificationNumber;